Imagine um acervo audiovisual, composto por mais de mil
objetos produzidos em diferentes épocas que buscavam representar o cotidiano
dos povos indígenas do Paraná. Um acervo que foi constituído sob a lógica
colonial ao longo de muitas décadas e que esteve sob a perspectiva e cuidados
de pessoas formadas pelo pensamento eurocêntrico – cientistas, antropólogos,
historiadores, museólogos. Quais são os impactos dessas imagens para a
sociedade ocidental? Ainda mais importante: quais são os impactos dessas imagens
para os povos indígenas retratados?
Questões de revisão historiográfica e ética sobre as imagens
têm sido levantadas pela atual gestão do Museu Paranaense (MUPA), com a
intenção de promover uma reflexão decolonial sobre o seu próprio acervo; essas
ações devem definir os caminhos que o Museu deseja trilhar nos próximos anos. O
pensamento decolonial é um movimento crítico que busca reverter as lógicas de
dominação intelectual ou cultural de países do hemisfério norte (especialmente
europeus) sobre países colonizados, como os latinoamericanos.
Como um dos passos iniciais dessa extensa tarefa, o Museu
convidou os artistas indígenas contemporâneos Denilson Baniwa e Gustavo Caboco
para encabeçar o projeto chamado Retomada da Imagem. Os convidados mergulham
juntos nesse conjunto de acervos produzidos por não-indígenas para encontrar as
armadilhas, construções e também memórias ali presentes. O contato dos artistas
com estes materiais deve gerar criações artísticas que reafirmam novas
narrativas, agora sob a perspectiva dos povos retratados.
Gustavo Caboco, artista indígena da etnia Wapichana nascido
em Curitiba, acredita que a arte é uma ferramenta que possibilita recriar
narrativas. “Ideias de exotização, tipificações e critérios que funcionam ou
funcionaram no campo acadêmico podem revelar, para nós, ideias de racismo na
imagem”, afirma. O artista diz que tende a pensar na figura de uma gaveta
empoeirada que eles estão acessando pela primeira vez. “A gente sabe que
algumas das pessoas que estão registradas e muitas vezes não tem nem indicação
de seus nomes podem ser parentes; é como se alguém tivesse o álbum de
fotografia da sua família que você nunca teve acesso”.
O projeto de longa duração se divide em três etapas. A etapa
I, chamada Primeiros Encontros, aconteceu entre agosto e outubro deste ano e
foi o momento de imersão dos artistas no conjunto de imagens e vídeos do acervo
do museu.
Na segunda etapa, marcada para entre os dias 11 e 15 de
novembro, o MUPA se transforma em museu-ateliê, no qual Baniwa e Caboco farão
uma pequena residência artística e contarão com a presença de cinco outros
indígenas convidados como interlocutores, no domingo (16): Camila dos Santos
(Kanhgág), Indiamara Paraná (Xetá), Juliana Kerexu (Mbyá-Guarani), Ricardo
Werá (Mbyá-Guarani) e Elida Yry (Mbyá-Guarani). O público visitante poderá
acompanhar de perto os processos criativos e a produção de trabalhos realizados
dentro do Museu Paranaense. O grupo irá imergir em criações que devem compor a
terceira e última etapa do projeto: uma publicação on-line e multimidiática.
Nascido em Mariuá, Amazonas, Denilson Baniwa conta que vem
de uma região que foi bastante fotografada por diversas pessoas: antropólogos,
historiadores e até fotógrafos comerciais. “É desse lugar, de ser retratado,
ter minha imagem capturada, que eu me coloco nesse projeto”. Baniwa destaca a
que a autonomia sobre tecnologias e ferramentas diversas, como a própria
câmera, reverte papéis e protagonismos, estabelecendo agora novas relações e
negociações narrativas.
A publicação do projeto “Retomada da Imagem” está prevista
para o primeiro semestre de 2022 e deve contar com a diversidade dos
pensamentos indígenas de diferentes matizes culturais e compreensões de
mundos.
SOBRE OS ARTISTAS
Denilson Baniwa nasceu em Mariuá, no Rio Negro,
Amazonas. Sua trajetória como artista teve início ainda na infância, a partir
das referências culturais de seu povo. Na juventude, ele se engajou na luta
pelos direitos dos povos originários e transitou pelo universo não-indígena,
apreendendo referenciais que fortaleceriam sua resistência. É um artista
antropófago, pois apropria-se de linguagens ocidentais para descolonizá-las em
sua obra. Em sua trajetória contemporânea, consolida-se como uma referência,
rompendo paradigmas e abrindo caminhos ao protagonismo dos indígenas no
território nacional.
Gustavo Caboco nasceu na capital paranaense e cresceu
em um ambiente urbano, mas cercado pelas histórias de sua mãe, Lucilene, uma
Wapichana da terra indígena Canauanim (município de Cantá, Boa Vista, Roraima).
Em 2001, o artista e sua mãe realizaram juntos um retorno às origens, momento
em que Caboco foi apresentado à sua avó materna e aos seus familiares
indígenas, que traçaram seu destino como artista. Ele encontrou no desenho, no
bordado, no som e na escuta formas de dialogar com as atualidades e identidades
indígenas.
SERVIÇO – “Retomada da Imagem”
Projeto de longa duração que revisita o acervo audiovisual sobre povos
indígenas do Museu Paranaense a partir da perspectiva e da arte de dois artistas
indígenas contemporâneos, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco.
O público poderá acompanhar de perto a etapa II do projeto,
chamada Museu-Ateliê, entre os dias 11 e 15 de novembro de 2021, quando os
artistas estarão produzindo trabalhos em residência no MUPA.
Museu Paranaense
Rua Kellers, 289, São Francisco – Curitiba
Aberto de terça a domingo, das 10h às 17h30
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