“As pessoas sempre achavam que eu era feliz, mas era uma alegria falsa porque eu bebia. Fui alcoólatra porque nunca tive ajuda de ninguém, carinho e família”. |
(Reportagem publicada em 08/2008 na Folha do Litoral, Paranaguá)
Um das figuras mais populares de Paranaguá abre as páginas do passado e
conta um pouco da sua vida
Com sorrisos e
muita alegria de viver, João Roberto Garcia Estrela, recebeu a reportagem da
Folha do Litoral, no Asilo São Vicente de Paula, local onde mora há três anos.
Robertinho Estrela, como é conhecido, traz no rosto as marcas de um passado que
ele não esconde.
Com a mesma
alegria de antigos carnavais, na pracinha do asilo, em meio a muito verde numa
tarde de sol, ele abriu as páginas do passado. Recordou com muita lucidez as
principais fases de sua vida, destacando que somente agora, aos 62 anos, pode
conquistar a dignidade que todo ser humano merece.
Sempre embalado pela boemia, o carnaval foi sua grande paixão, o que o tornou conhecido em toda cidade. |
Ele nasceu no
centro de Paranaguá, bem próximo do antigo Cine Santa Helena. Penúltimo filho
de uma família de sete irmãos, nunca freqüentou a escola porque na infância
passou a viver na rua. “Meus pais nunca me aceitaram e com sete anos fui expulso
de casa, e na rua aprendi a ler e me defender”, contou.
Roberto
cresceu assim, amadureceu cedo, trabalhou em vários lugares, mas sempre acabou
voltando para as ruas. “As pessoas sempre achavam que eu era feliz, mas era uma
alegria falsa porque eu bebia. Fui alcoólatra porque nunca tive ajuda de
ninguém, carinho e família”.
Um golpe quase fatal
Roberto
escapou da morte inúmeras vezes, driblou os desafios e sempre buscou uma força
interior que ele desconhecia possuir. Entre estes episódios ele relembrou um
fato que aconteceu em 1970.
“Eu estava
numa boate no Parque São João. Era final de ano e resolvi trocar de roupa com
um amigo e fomos para um baile. Só que eu acabei colocando uma roupa de uma
pessoa que não sabia que estava sendo procurada. Cheguei num baile, parei no
balcão e ouvi aquela voz dizendo ‘isso é pra você Cezinha’, e levei uma
navalhada no pescoço e quando acordei estava no hospital”.
O golpe que
poderia ser fatal hoje ainda permanece marcado em seu corpo. Um cicatriz no
pescoço que resultou em 45 pontos. “Depois eu fui saber que foi um golpe dado
por uma mulher que acabou morrendo atropelada alguns dias depois”, disse ele
apontando para céu, indicando que a justiça é divina.
Os amores
Quando o
assunto é amor, ele também não esconde e logo solta uma gargalhada faceira.
Afinal, quem nunca se apaixonou? Roberto confessou que viveu dois amores em
toda sua vida. A primeira paixão foi na adolescência. “Era um amigo, mas era um
amor de verdade e o namoro acontecia dentro da casa dele. Depois ele deixou
Paranaguá para estudar e nunca mais voltou”.
Mais tarde,
Roberto se apaixonou de volta. Desta vez a coisa foi mais série porque
dividiram o mesmo teto por alguns anos, mas como sempre, sua vida seguia para um
rumo triste. “Ele caiu do prédio. Isso já faz 18 anos. Na época todo mundo aqui
na cidade comentou porque nunca ninguém soube se ele se jogou, caiu ou
empurraram. Fiquei muito triste e jurei nunca mais me apaixonar”.
Antigos carnavais
Sempre embalado
pela boemia, o carnaval foi sua grande paixão, o que o tornou conhecido em toda
cidade. Começou desfilando no Império do Samba, depois passou pelo Acadêmicos,
Junqueira e inúmeras escolas de samba. “Eu adorava o carnaval. Era minha vida.
Minhas fantasias eram feitas pelo meu irmão Aroldo que era costureiro e todos
os anos eu brilhava nos desfiles”.
Ele relembra
com saudades do carnavalesco Ailson Santos que ainda marca presença nos
desfiles. “Nós saíamos sempre juntos, tenho boas lembranças daqueles
tempos”.
Em meio a
tantos aplausos e conquistas no mundo de ilusões dos carnavais, ele não esquece
quando foi coroado como ‘rainha’ de blocos carnavalescos nos 60 e 70, num tempo
onde o preconceito prevalecia, ele sempre seguia sua vontade. Porém, sua
estrela aos poucos foi perdendo a intensidade e com isso levantou a bandeira
branca, ou seja, rendeu-se a dura realidade: provou a o gosto amargo da
sarjeta.
Enfim, a dignidade
“A idade
avança, a gente cansa. Nos anos 90 passei a pedir comida para sobreviver.
Apanhei muito na rua”. Roberto perdeu o gosto pelas festas e pela vida, mas
como ele mesmo fez questão de destacar, jamais pensou em suicídio. “A vida é um
bem sagrado que não podemos tirar”.
“A idade avança, a gente cansa. Nos anos 90 passei a pedir comida para sobreviver. Apanhei muito na rua” |
Mas como
sempre existem anjos humanos cruzando a vida daqueles necessitam, Roberto
deixou ser ajudado. Isto não faz muito tempo. Foi em 2005 quando foi levado por
uma voluntária até o asilo.
Hoje ele tem
seu quarto, logo na entrada um quadro com fotos de rosas estampam a frase:
‘Boas Vindas’. O quadro fica em meio a vários bonequinhos de pano que ele
mostra com orgulho. “Eu mesmo que fiz. Aqui temos aulas de artesanato”.
Na realidade, é mais que um quarto, é um
cantinho aconchegante que só agora ele tem o prazer de desfrutar em mais de meio
século de vida. No espaço ele divide com bichinhos de pelúcias, retratos de
artistas e imagens de Nossa Senhora e de Jesus, os quais ele não cansa de
agradecer diariamente.
Três vezes por
semana Roberto faz hemodiálise. São sessões que ele se submete com a mesma
garra que sempre teve para enfrentar as dificuldades da vida, sem jamais
reclamar. “Hoje sou feliz, porque tenho amigos e carinho”.
No asilo, além
de morador Roberto também é voluntário, gosta de levar os idosos até a pracinha
para tomar sol e dar a mesma atenção que sempre lhe faltou. “Minha vida está
boa, tenho pessoas que me amam”.
Quando o assunto
é carnaval. Ele se mostra indiferente. “Não sinto mais vontade. Ainda me convidam,
mas isso é coisa do passado. Já festei demais, agora chega”, finalizou ele
enquanto uma voluntária do Asilo anunciava que são 15h30: a hora do café.
“Aqui é bom
por isso, temos hora pra tudo. Agora estou vivendo!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário