Do Livro: Paranaguá na História e na Tradição
(Escrito por Manoel Viana)
FUNDAÇÃO DE PARANAGUÁ
Entre as cidades do PARANÁ, PARANAGUÁ merece um destaque todo especial, dadas as circunstâncias de como foi fundada e, principalmente, quanto aos fatores sociais, econômicos, culturais e religiosos.
Senão vejamos:
Estávamos no ano de 1550 (metade do século XVI). São Vicente e Cananéia, vilas primevas de então menino BRASIL; com uma população intensa e alimentação mínima, estavam com a produção insuficiente para o consumo interno de sua gente.
Saem, pois, algumas canoas com aventureiros (Domingos Peneda, Diogo de Unhate, velho bandeirante) e outros, ávidos de tudo conhecer, e mais ainda. encontrar meios de um sustento mais seguro.
Costeiam as praias de Ararapira e Superagüi e, em plena baía, ficam extasiados ante tamanha beleza. Procuram um lugar de pouso e, por intuição, acercam‑se da majestosa ilha fronteira ao continente. Principiam logo a construir as primeiras habitações e fundam assim um núcleo ao sopé do morro.. .
E sabem o que isso significou ?. . . O início do PARANA ! . . .
Aí ficaram quase duas décadas, cheias de impecilhos e de dificuldades.
Fundando o primeiro "arraial", trataram de conquistar a amizade da tribo "carijó", que habitava toda a margem esquerda do rio "Taquaré" (depois rio da Vila e hoje Itiberê).
Foi nessa histórica e secular "Cotinga" de nossos ancestrais que surgiu o primeiro povoado de brancos, nele chantando‑se o marco civilizador da terra paranaense. . .
Depois de 20 anos de lutas e apreensões, passaram, esses heróicos pioneiros, à terra firme, na costeira direita da baía.
Acontece, porém, que a terra habitada por essa valente tribo, já possuía o gracioso nome de "PERNAGOA" (grande mar redondo), dado pela raça audaz.
Nome que, com os anos, sofreu a corruptela de PARANAGUÁ (Pernagoá—Parnagoá—Parnaguá—Paranaguá).
Essa Aldeia, já então de brancos e de índios, foi fundada durante a época da mineração, e com ela, a modesta Capelinha consagrada a Nossa Senhora do Rosário, em 1578.
DOMINGOS PENEDA — O chefe—natural de São Paulo; homem régulo e matador; foi o fundador de Paranaguá (conforme consta da cópia fotostática do Códice do Museu Britânico n.° 13.981). Ele, com os demais pioneiros, fizeram a navegação dos rios, que depois se chamaram, dos Almeidas, dos Correias e do Guaraguaçu, até as suas nascentes; encontrando muito "ouro"; o primeiro em terras brasileiras. . .
Desde o ano de 1578, que as "minas" de PARANAGUÁ estavam em franca atividade na exploração do ouro; tendo sido, nesse ano, remetidas ao Cardeal D. Henrique—rei de Portugal—as primeiras amostras do precioso metal achado no BRASIL (um frasco cheio dele—"memória histórica" de Vieira dos Santos).
Depois, vieram as explorações das minas de Tagaçaba, Açunguí, Faisqueira, Cubatão e outras. Com esse feliz resultado, PARANAGUÁ se tornou a povoação mais florescente da costa Sul do Pais.
Os primeiros povoadores de PARANAGUÃ formavam um núcleo de certa significação social; alguns se elevando com grande distinção, não só pela sua origem como pelo seu passado. Era pequeno esse núcleo social, pois apenas 15 nomes figuram no primeiro "Termo de ajuntamento". Porém, gente boa, com antepassados ilustres e respeitáveis. Portanto, já existia elemento social, enriquecendo com a extração do ouro.
Em 1603, Salvador Correia de Sá, procurador do donatário da Capitania de Santo Amaro e seu Capitão ‑ mor e loco ‑ tenente, deu regimento às minas. Dez anos mais tarde, e as tiveram novo regimento, passado nas cortes de Valadolí.
CONSIDERACÕES
DOMINGOS GONÇALVES PENEDA foi um chefe temido e obedecido por aquela legião de selvagens. E temos de convir que, para lidar com os índios daquela época, só homens de uma têmpera de aço a toda prova...
Se algo de mal fez ele, compensado foi por ter fundado a nossa Pernagoá de outrora; iniciado a civilização dos carijós e preparado a populosa Aldeia para poder receber 0 "Pelourinho"—símbolo da Lei e da Justiça—e mais tarde o título de "VILA"; desejo de todos.
PENEDA não foi um Juiz formado; pouco estudo teve; apenas um homem rude. Todavia, procurou manter a Justiça, a seu modo, é verdade, numa povoação ainda sem Leis e sem controle administrativo. Foi mau; implacável mesmo. Contudo, era a única solução ,para lidar com o gentio e mesmo com a massa ignara. . . Em tais circunstancias, qualquer outro faria assim. É só por o caso em si. . .
Portanto, DOMINGOS PENEDA, o temido pioneiro, apesar de todos os atos violentos (próprios da época), tem seu valor incontestável.
Fundando a Aldeia de PARANAGUÃ, lançou a "semente" da civilização, do labor e do progresso. Ela foi boa; vingou e deu frutos. Mas o solo indígena também foi dadivoso. Ambos se completaram— terra e semente— numa união fraterna e indissolúvel ! . . .
SÉCULO ÁUREO
Os anos iam correndo e PARANAGUÁ, a povoação mais meridional, estendendo‑se até ao Rio da Prata, possuía já a sua "Casa de Fundição", a terceira do Brasil, em 1697, na rua do Colégio, para nela se fundir e quintar o que se tirasse das minas de seu Município, bem como dos Campos Gerais de Curitiba e de São José dos Pinhais
Assim, todo o ouro em bruto, para aqui convergia, a fim de ser fundido e tirada a quinta parte pertencente à Real Fazenda.
O Provedor das Minas controlava essa mineração, evitando os desvios muito comuns. Essa extração de catas e faisqueiras, embora rudimentar, através de bateias nos rios, durou seguramente um século.
Apurava‑se mais ou menos 20 gramas diárias do preciso metal. E, para o conhecimento de vocês, podemos dizer com segurança que, mais de 200 arrobas de ouro foram extraídas das Minas de PARANAGUÃ, nesse século áureo. Tirando‑se então a quinta parte que de direito pertencia ao rei de Portugal (40 arrobas), as restantes (160 arrobas), passavam a pertencer aos mineradores. Daí as fortunas que se fizeram no passado, quando apenas 15 ou 20 pessoas (ou pouco mais) formavam o pequeno núcleo social do populoso aldeiamento.
Caso curioso: Os Provedores de Minas, que foram muitos, nenhum ficou rico. E note‑se que era um cargo muito cobiçado, devido as vantagens que tinham e a posição que ocupavam esses Provedores.
São os revéses da sorte...
O GRANDE POVOADOR
O ano de 1640 veio encontrar a Aldeia de PARANAGUÁ com um fidalgo de linhagem castelhana—GABRIEL DE LARA — paulista de grande valor. Viera ele com uma importante missão, e esta não era outra senão a de ser o Capitão Povoador da terra carijó.
Chegando em 1640, encontrou a povoação em franco progresso; reconhecendo então o valor de DOMINGOS PENEDA. Sentiu‑se feliz assistindo o trabalho fecundo dos primeiros Paranaguáras.
Tomando as rédeas do Governo, como Capitão Povoador, tratou de pedir e conseguiu a ereção do "Pelourinho" símbolo da Justiça Real. Ato esse realizado aos 6 de janeiro de 1646, por ordem do Governador do Rio de Janeiro —Duarte Correia Vasqueanes.
Continuou pedindo, até que, em 1648, conseguiu o "foral" datado de 29 de julho, dado pelo rei de Portugal—D. JOÃO IV— elevando a Aldeia de PARANAGUÁ à categoria de "VILA" e jurisdição sobre todas as terras chamadas de SANTANA e que eram as 40 léguas de costa e sertões correspondentes.
Mas a "Carta Régia" só chegou a PARANAGUÁ em 26 de dezembro desse mesmo ano. GABRIEL DE LARA convoca os homens bons e o povo em geral, a comparecer à sua residência e lê a célebre "Carta Régia".
Instalada oficialmente a "VILA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO de PARANAGUÁ (que nessa época pertencia à Capitania Feudal de Santo Amaro, da qual era donatário Pero Lopes de Sousa), o progresso aumentou, com a vinda de mais gente de Santos, São Vicente e Cananéia.
Em 9 de janeiro de 1649, criou GABRIEL DE LARA a Vereança e mais outras Leis.
O sentimento nativista começa então a se formar. No setor econômico, a farinha de mandioca, principal produto da terra, passa a ser exportada para o Rio de Janeiro.
FATO HISTÓRICO
Bastante curioso e pouco conhecido, este fato histórico passou se em 1654 (seis anos depois da fundação da VILA).
O Conde da Ilha do Príncipe e o Marquês de Cascais, viviam em contenda, na sucessão da Capitania de Santo Amaro (cujo donatário—Pero Lopes de Sousa—havia naufragado na foz do Rio da Prata).
Em 1655, aos 25 de fevereiro, a Câmara Municipal de PARANAGUÁ deu posse ao Conde da Ilha do Príncipe (D. Luiz Carneiro). Em 8 de março, foi lavrado o Auto de posse dado ao Capitão - Mor e Ouvidor—Diogo Vaz de Escobar—como representante do Conde (posse essa dada passivamente e sem nenhuma contradição).
Em 1656, o Marquês de Cascais (D. Álvaro Pires de Castro) tentou repelir ao Conde e, para conseguir o seu intento, separou o Termo de PARANAGUÃ, criando outra Capitania, diversa das de Santo Amaro e São Vicente, com o apelido de Parnaguá; nomeando GABRIEL DE LARA como Capitão Mór, Ouvidor e Alcaide Mór da VILA (dada a influência política, e social desse personagem).
A Câmara, entretanto, relutou em dar posse a LARA nos deter minados postos.
Nesse ínterim (1659), veio uma "ordem" ao Provedor das Minas (Pedro de Souza Pereira) determinando que fossem remetidas para a guerra contra os holandeses, em Pernambuco, as companhias de índios carijós que se achavam empregados nas Minas.
Essa "ordem" revoltou a população da VILA, que, amotinada. intimou ao Provedor que não cumprisse tal intimação. O próprio GABRIEL DE LARA, com seu prestígio, conseguiu acalmar os ânimos, prometendo não permitir a retirada dos índios; pois sabia ficar despovoada e desguarnecida a VILA, além de parar o serviço da mineração.
Mas, tendo ciência (1660) de que o Capitão Mór de Itanhaém —Antônio Barbosa do Soto Maior—vinha pessoalmente executar essa "ordem", a Câmara Municipal fez uma Vereança, na qual foi lavrado um "Auto de Posse" e, em seguida, incorporada, dirigiu‑se à casa de GABRIEL DE LARA, empossando‑o como Capitão Mór, Ouvidor e Alcaide Mór da VILA. Isso, aos 15 de maio de 1660 (LARA: loco ‑ tenente do Marquês de Cascais).
Assim desse modo, ficou a VILA DE PARANAGUÃ com "dois capitães mores"; caso inédito nos anais da História do Brasil.
Em 30 de novembro desse ano, chegou a PARANAGUÁ o Governador do Rio de Janeiro—Salvador Correia de Sá e Benevides —em visita à VILA e em inspeção às "minas de ouro".
Pôde então observar que 0 escasso rendimento da mineração era devido a contenda entre os herdeiros de Pero Lopes de Souza. através de seus prepostos, perturbando com isso a vida econômica da VILA.
Resolveu então, que a mesma se conservasse em nome del ‑ rei de Portugal, da mesma forma como se tinha criada. Resolveu ainda, que não se reconhecesse o direito dos donatários pleiteantes à sua posse, visto haver dúvidas quanto aos seus direitos.
Entretanto, permitiu que a VILA continuasse constituída de todos os órgãos políticos: O Legislativo—representado pela Câmara Municipal; O Judiciário—pela Justiça Ordinária; O Executivo—pelo Capitão Mór e Alcaide Mór
Dessa data em diante, GABRIEL DE LARA, em seus editais, assinava: "Povoador da Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, em nome de Sua Alteza Real e com os mesmos poderes de lugar‑tenente e Procurador do Marquês de Cascais, na VILA de 40 léguas da parte Sul" (Essa era a extensão da costa que se pretendia fosse correspondente à doação feita a Pero Lopes de Souza).
Com o passar do tempo o sentimento nativista foi criando corpo, e era natural, para o desenvolvimento da indústria e agricultura.
Contava‑se com o braço do imigrante europeu. Entretanto, as condições climatéricas e outros fatores não o permitiram.
Ficou PARANAGUÁ somente com o elemento da terra, fazendo o que podia. Mas o caboclo do litoral, apesar de tudo, não desanimou. Ele é um forte e continuou na luta pelo chão, contra os ardores do nosso clima tropical.
Os três séculos passaram na marcha do tempo. Mas os Paranaguáras, nesse longo período, jamais esqueceram os dois grandes vultos daquela época:
DOMINGOS PENEDA—fundando a Aldeia, desbravou o solo e manteve a disciplina.
GABRIEL DE LARA—povoando‑a e civilizando‑a, deu‑lhe as Leis e a Justiça.
DOMINGOS PENEDA E GABRIEL DE LARA
Entre alguns de nossos antigos historiadores, havia uma corrente que sustentava datar de 1640 a povoação de PARANAGUÁ, com a chegada do Capitão Povoador—GABRIEL DE LARA.
Ora, chegando em 1640, não no dia , em hipótese alguma, formar, em 8 anos, uma povoação, ao ponto de precisar de Governo e Justiça Oficial; naqueles tempos em que tudo era moroso e difícil.
Sabemos, é verdade, que até essa data, Portugal nada havia feito para povoar esta região Sul.
Entretanto, isso não obstou a que viessem, por conta própria, espanhóis e portugueses, ávidos de aventuras, explorar esta região.
E tanto isso é verdade que, HANS STADEN, conta em seu livro intitulado "VIAGENS E CATIVEIRO ENTRE OS índios DO BRASIL", as peripécias por que passou, quando o navio em que viajava fora acossado por uma forte tempestade e entrara, sem o saber, na baía de Superagüi, distante 18 léguas da ilha de São Vicente; bem como sua admiração por encontrar ali, muitos índios pacíficos vivendo com portugueses. E note‑se, isso em 1549.
Assim, se nessa época já existiam brancos em Superagüi, por que não no litoral Paranaguára, cuja baía era tão vasta e majestosa ?
Outro fato vem a nosso favor: Entre 1550 a 1560, devido ao excesso de população em São Vicente e Cananéia, vários brancos de lá saíram, rumo ao Sul, também em busca de aventuras e de melhor sobrevivência; localizando‑se numa ilha, que depois recebeu 0 nome de "Cotinga" dado pelos carijós, com alusão aos brancos ali chegados.
Observação:
(Côo—povoação, casa, lugar, roça).
(Tinga—branca, de brancos).
(Logo COTINGA—lugar ou povoação de brancos).
Essa leva de brancos, sem caráter oficial, ficou pouco mais de 10 anos na ilha. Isso porque nela não havia espaço suficiente para a criação e a lavoura; passando‑se então para 0 continente, depois de ter feito amizade com os carijós. . .
Para corroborar o nosso ponto de vista, mais adiante falaremos sobre Bartolomeu de Torales.
E, finalizando: em 1948, quando do "Tricentenário de elevação de Aldeia de PARANAGUÁ à categoria de "VILA", as autoridades do Estado conseguiram, através do Conselho Britânico do Rio de Janeiro, uma cópia fotostática do Códice do Museu Britânico sob n. 13.981, no qual diz: "ESTA VILLA FOI FUNDADA POR DOMINGOS PENEDA, NATURAL DA VILLA DE SÃO PAULO. HOMEM RÉGULO E MATADOR".
"N. S. DO ROZARIO DE PARNAGOÁ, CUJA VILLA HÉ CABEÇA DE COMARCA". . . etc. etc.
Portanto, diante desse "documento", nada mais se pode dizer contrariamente.
DOMINGOAS PENEDA, seu fundador; embora conhecido como RÉGULO E MATADOR, foi um chefe temido, mas respeitado e obedecido por uma legião de silvícolas, que viam nele a Justiça de "olho por olho e dente por dente". Era a LEI DA FORCA a manter disciplina entre selvagens e aventureiros de má índole aqui aportados.
Usou a força bruta; contudo, preparou o povo para a civilização que viria depois. . .
A ele, com todos os seus defeitos, mas também com suas qualidades, o nosso reconhecimento ! . . .
GABRIEL DE LARA
Fidalgo de escol, de cultura e valor, aqui chegado em 1640, encontrou a Aldeia preparada para receber a civilização. Portanto fácil lhe foi governá‑la. Mas note‑se que o título de Capitão Povoador se referia a todas as terras que daqui partiam até ao Sul. Esse o significado.
A ele, pois, o civilizador e criador das Leis, a nossa gratidão.
BARTOLOMEU DE TORALES (O Moço)
Este fidalgo espanhol, que viveu mais de sessenta anos em nossa PARANAGUÁ , era filho do nobre castelhano—Bartolomeu de Torales, o velho—que, vindo da Espanha para o Paraguai, acabou mudando‑se para 0 BRASIL, vindo residir em São Paulo com sua esposa e seus dois filhos Bartolomeu, o moço, e Maria.
BARTOLOMEU, O MOÇO, casou‑se em São Paulo , com MARIA DE GOIS, filha do bandeirante Antônio Raposo e de Isabel de Gois, para aqui veio em 1630, atraído pela fama do ouro descoberto em PARANAGUÁ, fixando residência muito antes da ereção do Pelourinho e da elevação do Povoado a VILA.
Alguns anos depois, requereu ele uma "sesmaria" de terras no local que já vinha ocupando há muito tempo.
O despacho do Capitão Mór de São Vicente—Manoel Pereira Lôbo—datado de 20 de junho de 1648, foi favorável. Portanto, um mês antes da elevação de PARANAGUÁ a categoria de VILA, BARTOLOMEU DE TORALES, O MOÇO, já se tornara proprietário da "sesmaria" requerida, a qual se estendia desde o Imboguaçu, com frente para a baía, até Jacareí, e fundos para o rio Taquaré e Serra da Prata. A frente do terreno tinha 18 quilômetros de extensão e abrangia, não só as terras do atual Distrito de Alexandra, como também as de alguns bairros da VILA.
Esse fato prova, também, cabalmente, não ser GABRIEL DE LARA o fundador de Paranaguá. Senão, vejamos:
A carta de TORALES, pedindo a "sesmaria de terras", diz assim: "... sendo morador da nova povoação de Paranaguá, que ajudou a povoar, descobrindo minas de ouro nos seus recôncavos, e sendo dos primeiros povoadores. . . etc. . . etc. . .
Quando ele diz no requerimento: QUE AJUDOU A POVOAR, dá claramente a entender que, quando aqui chegou, em 1630, já encontrou uma povoação com moradores descendentes dos que haviam se estabelecido na ilha da COTINGA.
BARTOLOMEU DE TORALES era um fidalgo de origem espanhola e, se viera com sua família, certamente que trouxera agregado e escravos. Além do mais, deveria ter trazido homens entendidos em mineração, pois viera com essa finalidade—minerar.
Parece, entretanto, que TORALES, por não trabalhar (apenas dirigir) não foi feliz nos últimos anos (pois filho de nobre jamais trabalhou). Resolveu então dedicar‑se à agricultura. E foi nessa época que requereu a tal "sesmaria".
Tinha ele sua residência no lugar chamado "Pocinho "; hoje conhecido por "Pocinho do Toral" (abreviatura de Torales, pelo povo).
Ao vir para PARANAGUÁ‑, deveria ter trazido grandes cabedais. É claro que, depois de tantos anos de lutas na cata do ouro, houvesse perdido muito dinheiro, pois, no requerimento do pedido da "sesmaria" de terras, dizia ele:
"... porquanto, o suplicante é casado e tem filhos; uma irmã e dois filhos e uma sobrinha que tem a seu cargo, e não tem terras para fazer lavouras e de sua família e obrigação para ter gado e criações de que pense, sendo dos primeiros povoadores, pelo que pede a Vossa Mercê lhe mande dar e à sua sobredita família, três, léguas e mela de terras, onde tem a sua Fazenda e Sítio para o mar largo e uma légua e meia com sua quadra, etc".
Verifica‑se, pelo texto, que, quando requereu a "sesmaria", já ocupava as terras há muito tempo, pois tinha nelas a sua Fazenda e Sítio.
O requerimento foi só para legalizar a posse e domínio pleno das terras. Anos correram e, depois do desentendimento com Gabriel de Lara, nunca mais se ouviu falar nele e nem nos seus descendentes. Apenas que, 60 anos depois da concessão, em 1708, a "sesmaria do Torales" passou, por compra, às mãos do cidadão— Gaspar Teixeira de Azevedo—homem rico e poderoso( dono também da ilha do Teixeira), que vivia em PARANAGUÁ, na opulência.
Essas terras, porém, com a morte de Gaspar Teixeira de Azevedo, foram divididas em, seguramente, 500 grandes lotes (cortando o atual CAMPO DA AVIACÃO, a colônia São Luís, até ao sopé da serra, pelo rio Jacareí.
Talvez que a data da venda da "sesmaria" em 1708, seja a da morte do velho Torales ou a retirada de sua família para lugar ignorado.
Nessa data (1708) estaria Bartolomeu com 98 anos, na hipótese de que tivesse ele, no mínimo 20 anos quando aqui chegou. De qualquer forma, os descendentes daqui devem ter‑se mudado, porque jamais se ouviu falar, através desses anos, no sobrenome Torales.
No entanto, ele exerceu cargos públicos de importância, como o de Capitão de Ordenanças e o de JUIZ ORDINARIO DA CÂMARA; cargo, este último, igual ao de Prefeito. E foi nesse cargo de JUIZ que Torales, em nome da CÂMARA aos 25 de fevereiro de1655, deu posse a Diogo Vaz de Escobar no cargo de Capitão Mor, representante do Conde da ilha do Príncipe.
Mas estando Gabriel de Lara representando o Marquês de Cascais, como Capitão Mór de PARANAGUÁ; o ato de Bartolomeu foi a maior afronta que podia fazer a LARA, que gozava de grande prestígio na VILA.
Finda a contenda, em 1660, com Gabriel de Lara no cargo de Capitão Mór da VILA, tudo voltou ao normal. Entretanto, tendo Torales caído no desagrado do povo, com seu gesto impensado ficou no ostracismo e, desgostoso, abandonou os cargos políticos e foi viver na sua Fazenda; não mais de lá saindo; até cair no completo esquecimento. Seu nome só veio à baila, com a noticia da venda da "sesmaria". Depois, tudo caiu no olvido...
Seus filhos não ficaram em PARANAGUÁ, porque jamais se Ouviu falar nessa família tão célebre. E foi uma pena, porquanto, Bartolomeu de Torales além de ser um homem culto, muito cooperou no desenvolvimento do nosso povoado naqueles difíceis tempos. Se erros teve, também qualidades possuía. Ninguém é perfeito. . .
Assim é que, depois de setenta anos vividos em Paranaguá, nenhum vestígio ficou de seus descendentes...
Mas a história de nossa terra jamais poderá esquecê‑lo; razão porque, aqui aparece, aureolado de seus méritos, como uma homenagem justa e também, para o conhecimento das futuras gerações.
O 1.° VIGÁRIO DA VILA
Em uma vereança que fez a Câmara Municipal, a 23 de janeiro de 1655, compareceu a ela o padre Dionísio de Melo Cabral, 1.° vigário encomendado depois de ereta a Vila, requerendo aos vereadores lhe mandassem dar um pescador, conforme o ajuste que com ele haviam feito. Pois, o negro que o povo lho havia dado, era um homem doente.
A esse requerimento, o povo respondeu que, se o escravo não servia, entregasse‑o ao seu antigo dono.
É que a Câmara Municipal havia se comprometido com o vigário ao pagamento de RR 60$000 (sessenta mil réis) anuais, para realizar todos os ofícios religiosos durante um ano; mais 24 alqueires de farinha de mandioca (para o seu sustento), bem como um pescador para o servir, também nesse ano.
A Câmara então, obrigou‑se a dar ao padre, em cada mês, um pescador tirado dentre o povo.
Em 4 de setembro de 1656, outro vereança foi feita, para renovar o ajuste com o padre Dionísio; visto ter acabado o tempo de um ano em que dera assistência espiritual ao povo da Vila. Concordou, pois, a Câmara, em renovar o contrato por mais um ano; a contar de 5 de outubro de 1656.
Como se pode observar, eram os Governo Municipais que contratavam e pagavam aos padres vigários, para ministrar à população todas as funções religiosas necessárias a educação desse mesmo povo.
As vezes, quando as Vilas estavam em má situação financeira, as Câmaras solicitavam o auxílio do rei de Portugal. Os padres eram então pagos pelos cofres reais.
É que a Religião Católica, nos tempos coloniais e durante os dois Impérios, estava ligada ao Estado.
A VELHA
Também chamada "Fonte de Cima", tem ela sua origem num olho d'água que serviu, há séculos, à taba carijó localizada na baixada do antigo e desaparecido "Campo Grande".
Quando os moradores da Cotinga, chefiados por DOMINGOS PENEDA, passaram para 0 continente, à margem esquerda do rio Taquaré, procuraram logo o chapadão onde se achava o "olho d'água" usado pelos carijós.
Os anos se escoando e a população branca aumentando. Tornava‑se necessário um represamento da água que corria para o rio Taquaré.
Mas isso só veio acontecer, depois da chegada de Gabriel de Lara. E tanto é verdade que, em uma vereança de 10 de abril de 1655, o procurador da Câmara expôs aos "edis" ser necessário mandar‑se limpar o caminho da Fonte da Gambôa (como também era chamada).
Aliás, "Gambôa" não é verdadeiramente o nome; pois quer dizer: "fruto do gamboeiro" (marmeleiro), embora também se dê esse nome a um trecho de rio em que as água param, aparentando um pequeno lago.
O certo é "Cambôa"—esteiro que enche com o fluxo da maré e fica seco com o refluxo; formando um pequeno lago artificial à beira mar; servindo para apanhar pequenos peixes.
Os primeiros povoadores brancos deram esse nome porque o local da Fonte era um curral indígena para a apanha de peixes, que presos ficavam com a vasante da maré.
Os índios costumavam dizer: "vamos camboar—pegar peixes presos.
Esse caminho da Cambôa ficou pronto e limpo aos 4 de abril de 1656 e passou a chamar‑se rua da Fonte (hoje Conselheiro Sinimbú).
Nesse ano de 1656, houve outra vereança, para se tratar então do represamento da água em um reservatório, a fim de suprir a população, que havia aumentado bastante. Além disso, não havia, na época, outro manancial, e a água dos poços era salôbre.
A obra foi confiada a Roque Dias e João Gonçalves Peneda (este último parece ter sido filho de Domingos Peneda); AMBOS prometeram aprontá‑la em um mês. De fato, ficou pronta em 30 dias.
Não foi, porém, um trabalho perfeito, porque, um ano depois (1657), teve a Câmara que entregar a empreitada a um pedreiro mais competente, para construir o reservatório, fechado em forma de abóbada, tendo, na parede fronteira ao rio, uma janelinha por onde um operário pudesse entrar para fazer, mensalmente, a limpeza interna.
Segundo o contrato, o empreiteiro daria os escravos para conduzir as pedras, o saibro e a cal; bem como colocaria a bica de pedra e os ladrões, para escoar o excesso d'água.
Esse reservatório se alonga em galeria, para proteger o veio d'água que jorra sem cessar; não se sabendo de onde vem.
Essa admirável obra ficou pronta em agosto de 1658, e, até hoje, passados 318 anos, e]a continua firme na sua estrutura; como também jamais faltou água, apesar das estiagens que, às vezes, nos atacam...
E o nome do empreiteiro ?. . . Não foi possível guardar. . . Perdeu‑se com o passar dos anos...
A título de curiosidade, sabem por quanto saiu ela ? Por 50 patacas ! Cada pataca valia $ 320 reis, ou seja 16 vinténs (moeda de cobre). Portanto, RS 16$000 (dezesseis mil réis da antiga moeda).
Passaram mais 55 anos e, numa nova vereança de 26 de dezembro de 1714, cuidou‑se de uma nova arquitetura. Foi contratado o mestre ‑ pedreiro—Agostinho da Silva Gomes—para emoldurá‑la com um bonito frontispício e com paredões baixos, que contornam toda a Fonte.
Construída em 1658 e emoldurada em 1714, continua perfeita até aos nossos dias ! É a mais antiga construção de PARANAGUÁ e que vem resistindo ao tempo inexorável que tudo consome.
Também é curioso saber que, em 1860, navios de alto bordo (da época) entravam pela embocadura do rio Itiberê e vinham fazer aguada em nossa Fonte Velha !
Em 1885, a "Broconot", canhoneira da Marinha de Guerra Imperial, ancorou em pleno Itiberê , bem defronte ao Mercado!
Em 1859, foi construído o "chafariz", com duas torneiras grandes, de cobre. Um bom trabalho do empreiteiro ‑ Joaquim Lopes Ribeiro Bahia.
Em 1866, aos 23 de janeiro, inauguração e abertura das "torneiras" do "chafariz" e entrega das mesmas à servidão pública.
Hoje, passados 110 anos, as duas grandes torneiras desapareceram inexplicavelmente da FONTE VELHA . . . ~ de se lastimar ! . . .
Durante 200 anos os "aguadeiros" traziam água da Fonte às casas de família, cobrando um tostão (100 réis) por barrilzinho. Era uma carroça com um barril deitado, tendo uma grande torneira. A carroça, puxada por um burro, percorria a Vila e depois Cidade, parando nas casas dos fregueses, com o fim de supri – los da água necessária ao consumo da família. E caso curioso: os burricos, de tão habituados a esse trabalho diário, já sabiam onde parar talvez por instinto. E creiam, sem exagero, podemos afirmar.
Quanto à água para os banhos e lavagem das casas, aproveitava‑se a água das chuvas, através das calhas, em pipas, nos quintais. Isso porque, ainda não se enceravam os soalhos das casas. Esse costume higiênico veio muito mais tarde.
Era um gosto ouvir‑se o "aguadeiro" gritar na porta das casas: "ói a água" ! . . .
Em 1914, o benemérito Dr. Caetano Munhoz da Rocha, então Prefeito Municipal, inaugurou a "rede de água e esgoto" em nossa terra. Foi o maior dos presentes que ele deu a PARANAGUÁ.
Dessa data em diante, a querida "FONTE VELHA" ficou ao abandono. Desapareceram os "aguadeiros". Ela passou então a servir aos humildes, os quais ainda não tinham água encanada em seus lares.
Hoje, é uma "relíquia" da Cidade; um "Patrimônio Histórico ", que muito engrandece nossa terra.
A ladeira dessa tradicional Fonte é toda calçada com pedras trazidas da África. Vinham como "lastro", no porão, junto com os negros escravos. Serviram para os primeiros calçamentos da VILA.
UMA RENHIDA LIDE MUNICIPAL
Em 1669—O Capitão Mor Gabriel de Lara havia doado, por "sesmaria" as ilhas RASA e da COTINGA, ao Capitão João Velozo de Miranda, que nela residia. Mas, em 1675, verificando o erro a Câmara Municipal fez, a 15 de abril, uma vereança, na qual compareceram Gabriel de Lara e João Velozo de Miranda. Foi então explicado a ambos que as ditas ilhas eram bens do Conselho, ficando, assim, nula a "Carta de Data". Como os dois interessados concordassem pacificamente, foi lavrado um Termo. (Prov. Pires Pardinho) .
Houve, depois, renhida lide judicial entre a Câmara Municipal e Manoel de Lemos Conde; continuando, mais tarde, com seu filho A. Morato. Eis o fato:
A primeira demarcação dos terrenos do Rossío, que pertenciam ao Conselho, foi feita em 30 de dezembro de 1654. A Câmara gozou, assim, dessa posse, até o ano de 1675, sem que ninguém impugnasse.
Acontece que Manoel de Lemos Conde tinha, nesse Rossío, 750 braças de terra, dadas por "Carta de Data". Quis ele então, maliciosamente, usurpar mais partes dos terrenos do Conselho. Para isso, mandou arrancar, às ocultas, os primeiros marcos divisórios e, com seus estratagemas, procurou iludir aos camaristas (vereadores), obtendo novas medições a seu belo prazer, ficando assim com a posse delas.
Quando a Câmara quis entrar no domínio dos seus primeiros limites, não mais pode fazer, porque Lemos Conde se opôs, lançando contra ela uma ação judicial. Essa luta durou mais de 60 ANOS; passando de pai para filho.
Só em 1721 é que terminou 0 litígio; quando 0 Dr. Rafael Pires Pardinho, no seu provimento, ordenou que, depois de ser dada a sentença final, a Câmara Municipal tornasse a demarcar o Rossío conforme julgasse melhor.
(Este histórico foi extraído dos Provimentos do Dr. Rafael P. Pardinho).