Um mistério ronda uma pequena ilha da região de
Guaraqueçaba, no Litoral do Paraná. Ossadas humanas se acumulam nos barrancos
e, juntamente com outros vestígios de antigas civilizações, alimentam histórias
macabras que mantêm a fama de lugar mal-assombrado.
A crença é tão forte que
muitos pescadores se recusam a passar por lá. Não bastasse isso, equipamentos
eletrônicos dos cientistas que se aproximam da ilha parecem falhar por motivos
desconhecidos.
Crendices à parte, a tal ilha tem chamado a atenção de pesquisadores
da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que descobriram ali um importante
sítio arqueológico que pode ajudar a entender como era a vida das primeiras
comunidades que habitaram a orla do estado no período entre mil e 8 mil anos
atrás. Pelo que a equipe de arqueólogos e geógrafos descobriu, a ilha inteira é
uma espécie de cemitério indígena, com formações de sambaquis que chegam a 20
metros de altura.
O arqueólogo Laercio Loiola Brochier explica que, assim como
em Santa Catarina, os sambaquis são sítios arqueológicos comuns no Litoral do
Paraná. Sabe-se que existem ao menos 300, e a cada dia novos núcleos são
descobertos.
“Os sambaquis eram locais de moradia e de sepultamento organizado dos mortos. Mas hoje essa concepção está mudando um pouco. Imaginava-se que esses grupos eram nômades, formados por pescadores e coletores. Com essa descoberta da ilha, começa a surgir a ideia de que os sambaquis ocupavam uma posição central na comunidade. Ou seja, mostram que esses povos seriam dinâmicos, mas permaneciam mais tempo na mesma região”, explica Brochier.
Acúmulos de restos alimentares, os sambaquis também são
identificados como uma forma de construção em que os povos primitivos
acumulavam pedaços de conchas, moluscos, peixes, ossos de mamíferos marinhos,
aves e animais terrestres, formando várias camadas sedimentos.
Além disso, o sítio arqueológico encontrado na ilha – cuja
localização os pesquisadores preferem manter em segredo, para afastar os
aventureiros e plantão – sugere uma característica de cemitério comunitário,
diferentemente da maioria dos sambaquis, onde são encontrados poucos vestígios
de sepultamentos, conforme observa o geógrafo Eduardo Vedor de Paula, que
também participa da pesquisa.
Drone não sobe
Vedor conta que ao começar as pesquisas na região e ao
perguntar aos pescadores onde haviam sambaquis, muitos nas comunidades de
Almeida e Mariana comentavam sobre uma ilha fantasmagórica – no entanto,
ninguém topou conduzir os pesquisadores até lá.
Mas após conseguirem chegar ao local, os cientistas
utilizaram um drone para sobrevoá-lo e coletar parte das informações que
precisavam. Porém, por algum motivo desconhecido, o equipamento não conseguir
levantar voo da ilha. “Tivemos que ancorar o barco e lançar o drone de dentro
dele, porque da ilha ele não saía”, diverte-se Vedor.
Brochier explica a localização da ilha era conhecida, mas o
sambaqui dali nunca foi objeto de estudo. Boa parte dos sambaquis do Litoral já
foram catalogados há décadas, mas sua localização é imprecisa e há pouca informação
arqueológica sobre eles. Por isso, os pesquisadores da UFPR estão usando a
tecnologia para georreferenciar os sítios e corrigir sua localização por GPS,
formando um banco de dados sobre os sambaquis. Os drones ajudam a fotografar e
até a coletar informações sobre a formação e as dimensões desses acúmulos.
Agora, os pesquisadores querem saber se esses sítios maiores
ficaram desse tamanho porque estavam localizados em áreas adensadas ou foram
ficando assim ao longo do tempo ou pelo tipo de uso. O objetivo é também
interagir com as comunidades que vivem no Litoral hoje, que de alguma forma são
descentes dos antigos povos e conhecer o que sabem sobre os sambaquis e a
cultura ancestral, até para evitar que os sítios arqueológicos sejam destruídos
pela ação do homem.
Os sambaquis, como este do Poruquara, são sítios
arqueológicos comuns no Litoral do Paraná, e guardam muitos vestígios das
primeiras civilizações que habitaram a orla do estado.Eduardo Vedor de Paula
/Divulgação
“Muitas pessoas vão aos sambaquis buscar a terra preta que existe naquelas formações para usar na agricultura. Outros contam histórias de lendas sobre tesouros e visagens, de gente que passou mal ou incorporou entidades. Há quem tenha escavado o solo desses sítios e localizado ossos humanos”, conta Brochier.
Segundo ele, não se sabe o que causou o colapso dessas
antigas sociedades, há cerca de mil anos. “Constatamos, por exemplo, a presença
de cerâmica, que a princípio é um elemento de fora trazido por grupos
horticultores do Planalto e que pode ter influenciado os sambaqueiros, que até
então eram soberanos na costa do paraná. Mas não sabemos que processos
ocorreram para pôr fim naquela civilização: pode ser por influência de culturas
de fora ou até mesmo por uma guerra”, enumera o arqueólogo.
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